quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Vamos testar a cultura geral?



Que característica/Romance está por detrás de cada xícara de café metafórica?

Os meus palpites são:

1- Kafka: uma barata do romance Metamorfose
2- Proust: um relógio por alusão ao romance, À la recherche du temps perdu
3- Bram Stoker, sangue, do Drácula
4- Collodi, parece ser o grilo falante do Pinochio, mas também pode ser o nariz do mesmo.
5- Italo Svevo, o romance Últimos Cigarros
6- Oscar Wilde, o Roxinol e a Rosa
7- Lewis Carroll, o chapéu do chapeleiro maluco da Alice no País das Maravilhas
8- Marquês de sade, uma maminha, eventualmente do romance Justine (que eu nunca li, por isso é apenas um palpite).
9- Agatha Christie, A faca que é espetada no romance Crime no Expresso do Oriente, por todos os passageiros do comboio, no acto de justiça pelas próprias mãos.
10- Simenon e o cachimbo do Inspector Maigret
11- Stevenson, uma ilha que é A Ilha do Tesouro, um dos clássicos da literatura infanto-juvenil.
12-Jane Austen, xícara de chá da sensibilidade e bom senso
13-Hemingway, um copo de whisky que foi sempre a sua imagem de marca, uma vez que não acabava nenhum romance sem ser acompanhado de um copo de dois dedos de whisky
14- Baudelaire, absinto, que era a bebida (droga) habitual de Charles Baudelaire.
15- Leopardi, a lua do seu poema Il tramonto della Luna
16-Nabokov, os corações românticos do seu amor incondicional em Lolita
17-José Luís Borges, palavras. Não sei se se refere a alguém poema concreto.
18- Dante Alighieri, o Diabo, do romance O Inferno
19- Shakespeare, a caveira de Hamlet
20- Beckett que é o autor que é um dos principais ícones do grupo designado de Teatro do Absurdo, que faz uma intensa crítica à modernidade, penso que a chávena ao contrário se refira a isso e não a nenhum romance em concreto.

(através do Corta-fitas)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Wilt

Delirante.
É esta a primeira palavra que me ocorre após ter lido esta obra de Tom Sharpe.
Wilt, que iniciou uma série de livros à volta da personagem Henry Wilt, é uma obra satírica editada pela primeira vez em 1976.
Wilt é um homem sem amor próprio nem objectivos, professor de literatura numa escola politécnica, e casado com Eva Wilt, mulher gorda e desequilibrada.
A vida dele resume-se a dar aulas a trabalhadores-estudantes de vários ramos (talhos, siderurgia...) e passear o cão, de forma a não ter grande convívio com a mulher. É nesses passeios com o cão que vão surgindo ideias mirabolantes de assassinar a mulher fingindo um acidente.
Por seu lado, Eva Wilt é uma mulher influenciável e com a mania das limpezas (fiquem desde já familiarizados com Harpic), que cada dia tem um objectivo diferente, seja fazer yoga, seja jardinagem, seja meditação...
Numa dessas modas, Eva conhece um casal rico, e, no meio de inúmeras peripécias, dá-se uma festa mirabolante que vai levar ao cerne do livro. A mulher desse casal atira-se a Wilt, ele recusa e acaba metido com uma boneca insuflável. Posteriormente, Wilt serve-se dessa boneca para ensaiar como vai fazer para se livrar da mulher.
Poderia revelar mais pormenores aqui – até porque estão todos evidentes no livro – mas aguço-vos apenas a curiosidade: Wilt é sujeito a interrogatórios ininterruptos para saber do paradeiro da mulher. E esses interrogatórios são absolutamente loucos. Ao ponto de Wilt pensar no seguinte: “Desde que se diga às pessoas aquilo que elas querem ouvir, estão dispostas a acreditar na história menos plausível que se possa imaginar”.

Com uma escrita leve e escorreita, a gargalhada vai surgindo a cada página lida.

Este terá sido dos livros mais divertidos que tive oportunidade de ler até agora. E fiquei com curiosidade em ler mais aventuras deste Henry Wilt.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Prémio Leya 2013

O romance Uma Outra Voz, de Gabriela Ruivo Trindade, uma portuguesa residente em Londres, ganhou esta terça-feira o Prémio Leya.

Também autora do blogue Far far away, diz que este tinha material para um livro.

domingo, 13 de outubro de 2013

Nobel da Literatura 2013

O prémio deste ano coube a Alice Munro, escritora de contos canadiana (não "canadense", como ouvi no dia da divulgação).
Nunca li nada dela, mas fiquei curioso em conhecer alguma da sua obra. Por isso, já cá tenho "Amada Vida", que me pareceu conter um conjunto de histórias inspiradoras.
Além disso, tenho interesse em ver a técnica de escrita de contos que ela utiliza, e aprender com isso.

Nota de rodapé: 
Na contracapa deste livro refere-se que "uma poeta, na sua primeira festa literária..."
No meu tempo dizia-se poetisa... 
Esta forma descuidada (ignorante?) de escrever português incomoda-me cada vez mais.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Pequeno apontamento de leitura

Após pôr de lado alguns livros cuja leitura tinha iniciado mas não me estava a satisfazer, eis que pego em Wilt, de Tom Sharpe.
Apenas uma palavra: delirante.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mais um desafio no 77 Palavras: utilizar sete palavras que comecem com "trans".
Desta vez, é esta a minha versão dos factos:

Após quase uma hora em frente ao espelho, Beatriz estava transfigurada. Era uma nova mulher. Ao sair de casa, transportava um sorriso transbordante. Nunca se sentira tão segura de si. Reparava em si nas montras translúcidas e nos olhares masculinos em transe. Atravessou a cidade a pé, podia ter ido de táxi. Nessa noite, até a lua a observava. 
Entrou no restaurante. O Pedro aguardava-a num recanto a meia-luz. Quando a viu, transtornado, saiu-lhe: 
– Que corpo transparente!

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Histórias em apenas 77 palavras

A escritora Margarida Fonseca Santos tem um blogue através do qual lança desafios regularmente para a escrita de pequenas histórias. Só há uma regra aplicável a todas: utilizar apenas 77 palavras. A partir deste pressuposto, vão surgindo vários desafios. 
É sempre interessante e engraçado conceber uma história que encaixe nas regras estabelecidas: ora temos de usar determinadas palavras, ora há falta de algumas vogais nos verbos, ora temos de utilizar um conjunto de palavras homófonas, etc, etc, etc.

Deixo de seguida algumas das histórias que escrevi para lá.


Rita TEM UM ESPÍRITO POÉTICO, AMA OLHAR O CÉU E A LUA. Passava horas deitada no jardim a espreitar o que acontecia nas alturas. Ignorava os apelos da mãe para almoçar, os convites dos amigos para jantar. Nada a demovia. Vivia nas nuvens.
Quando chegou a Primavera, nasceram flores nos seus cabelos: rosas, cravos, margaridas… A multidão juntou-se à sua volta, curiosa com aquele fenómeno. Todos levavam uma flor do jardim da menina, e um sorriso feliz.


Desafio nº 41 - a propósito do dia do livro

No banco daquele jardim um livro permanecia. Quem passava, não resistia a abri-lo. Lia a página onde abria, e voltava a pousá-lo no banco. Ali ficava esquecido até outro curioso ir espreitar. O leitor seguinte lia uma nova página e restituía-o àquele banco. Cada pessoa apenas lia uma página daquele misterioso livro, desconhecendo o passado e o futuro da história lida. As restantes páginas mantinham-se brancas, imaculadas. A cada olhar curioso apenas era permitido ler uma página.

Desafio nº 50 – Com as palavras AGOSTO; A GOSTO; A CONTRAGOSTO; DESGOSTO

Naquela manhã de Agosto, o Luís passou pela casa da Luísa para irem aproveitar um dia de praia. Ela exigira. Ele ia a contragosto. Sol, calor, areia… Valia pelas meninas modelos que via passar…
À hora de almoço, pediram um prato de caracóis a gosto, uma bifana para cada um, a acompanhar uma cerveja. Ali permaneceram. A meio da tarde, para desgosto da Luísa, o Luís não aguentava mais e foi embora. A relação terminou nessa tarde.

sábado, 17 de agosto de 2013

Que Importa a Fúria do Mar

Mais um contributo da Filomena: 

Numa narrativa cuidada e sui generis (até no aspecto gráfico), movendo-se numa intriga viajante e na busca dumas cartas atiradas a caminho do Tarrafal, Eugénia, uma jornalista emotiva e paciente ausculta, escuta e aguarda o relato de Joaquim-um sobrevivente, não só do Tarrafal, mas também de um amor antigo, mas nunca esquecido. 
Ao longo do calvário que foi a sua ida para o Tarrafal, com o final inesperado que prende o leitor até à última linha, ficamos a saber mais sobre uma época, encaixamo-nos nos monólogos de Eugénia e tememos o Guarda Cabaço. Um livro a não perder e a apreciar quanto antes, porque cada capítulo é uma surpresa inteligente que nos remete para a mundividência duma jovem, mas já experiente, escritora. 

[...] Ponho-o dentro de um balde de cal viva, Capitão. Vai ver como se lhe solta a língua. 
Irritou-se Manuel dos Arames com a prontidão do Viegas a alvitrar torturas mais medonhas do que ele conseguia, no momento, cogitar. Como se lhe soltou a língua sei eu, que os comunistas já te fizeram a cabeça, meu malandro. A mim não me arrancam nada, [...]

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O Palácio da Meia-Noite


O autor começa por alertar no prólogo que era bastante mais novo na altura em que escreveu este livro e que, por isso, o poderia ter alterado e explica porque não o fez: “Pareceu-me mais honesto deixá-lo tal como o escrevi, com os recursos e a tarimba daquele tempo”.
Só posso dizer: ainda bem que não o fez! É um regalo ver os contornos que começam a ser definidos aqui, reconhecer a semente daquela que viria a ser a sua grande obra.
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Do autor: Carlos Ruiz Zafón - diz que cedo (com 5 ou 6 anos) soube que ia ser escritor.
Da obra: começa por publicar «O Príncipe da Neblina» (1993), seguiu-se «O Palácio da Meia-Noite» (1994) e «As Luzes de Setembro» (1995), este último a publicar entre nós assim que houver tradução disponível e para finalizar «Marina». Os três primeiros formam a Trilogia da Neblina que Zafón caracteriza de literatura juvenil.


A consagração enquanto escritor ‘para adultos’ vem em 2001 quando publica «A Sombra do Vento», que rapidamente se torna num dos livros mais lido em todo o mundo. Apesar dos numerosos convites para passar o livro a filme, o autor diz acreditar não ser possível fazer um filme melhor do que aquele que o leitor faz assim que começa a ler a história e que por isso, fazer um filme seria redundante, irrelevante e totalmente desnecessário. Quem lê Zafón sabe do que ele fala…

Segue-se «O Jogo do Anjo» (2008) que rapidamente se converteu, à semelhança de «A Sombra do Vento» num best-seller e sobre o qual já escrevi aqui. Ambos fazem parte de uma tetralogia que o autor dedica à sua cidade natal – Barcelona. Segue-se «O Prisioneiro do Céu» (2011) e quer-me parecer que não vai tardar muito para alguém aqui escrever sobre ele.

Mas vamos ao livro que nos conduz até aqui: «O Palácio da Meia-Noite».
Não tem comparação com «A Sombra do Vento» e nem mesmo com «O Jogo do Anjo», não encontramos nele a Daniel Sempere, nem o Cemitério dos Livros Esquecidos, mas facilmente reconhecemos o condão que conduz cada e todas as histórias que compõem este livro, polvilhado de frases profundas e aparentemente sem sentido.
Uma maldição, um fatídico destino traçado à partida, um espectro que vagueia semeando morte e sofrimento, um segredo escondido durante anos e finalmente revelado, entre outros ingredientes que um seguidor atento de Zafón não terá dificuldade em reconhecer.
O cenário é outro e somos transportados para Calcutá, Índia, anos 30, onde não falta nada para que fiquemos presos a cada linha da primeira à última página.


Da história: Ben e Sheere, dois irmãos gémeos, separados à nascença para conseguirem fugir ao pior dos destinos: o desejo de vingança de Jawahal.
Aryami Bosé, a avó, decide entregar Ben aos cuidados de Thomas Carter que dirige o orfanato St. Patrick enquanto mantem Sheere sob a sua proteção.
Dezasseis anos depois, o terrível Jawahal volta para ameaçar tudo e todos e completar os seus diabólicos planos. No centro deste turbilhão de acontecimentos, oito membros da Chowbar Society - Isobel, Roshan, Siraj, Michael, Seth, Ian, Ben e Sheere – que vão sentir, literalmente, o fogo do ameaçador e sinistro Jawahal, contra o qual vão ter de lutar, vencendo os seus receios mais terríveis.

domingo, 30 de junho de 2013

Porque Falham as Nações


Trata-se de um livro revelador.

Daron Acemoglu, professor no MIT, e James A. Robinson, docente em Harvard, dão uma nova abordagem às causas do sucesso e fracasso dos países, numa análise não circunstancial, e olhando além da espuma dos dias.

“Este livro trata das enormes diferenças de rendimentos e níveis de vida que separam os países ricos do mundo, como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Alemanha, dos da África Subsariana, da América Central e do Sul da Ásia.”

Há realidades institucionais que se vão tecendo e conduzem ao sucesso ou ao fracasso dos países. É necessário conhecer melhor o passado e estudar a dinâmica histórica das sociedades. 

Através de inúmeros exemplos, para vários países e em momentos diferenciados, os autores explicam o sentido que algumas mudanças absolutamente contingentes imprimiram no rumo das sociedades. Detêm-se particularmente no caso da Grã-Bretanha, apresentado como caso de sucesso. Em contraponto, os casos de fracasso mais gritantes são os de países africanos.

Há dois conceitos centrais que vão acompanhar a análise: instituições extractivas e instituições inclusivas. As instituições relevantes para o estudo são as políticas e as económicas.

As extractivas, como o próprio nome indica, são instituições cujo objectivo é extrair o máximo possível da sociedade. A Coreia do Norte ou o Zimbabué são exemplos deste tipo de instituições.

“Para serem inclusivas, as instituições económicas devem integrar a protecção da propriedade privada, um sistema jurídico imparcial e a prestação de serviços públicos que assegurem condições equitativas para os que indivíduos possam fazer trocas e celebrar contratos; devem igualmente permitir a entrada de novas empresas e que as pessoas escolham as suas carreiras.”. Exemplo disto são os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.

“Designaremos as instituições políticas que são suficientemente centralizadas e pluralistas por instituições políticas inclusivas. Quando um destes requisitos não for satisfeito, chamar-lhes-emos instituições políticas extractivas.”

Há uma relação muito estreita entre o tipo de instituições políticas e económicas existente em cada país, e ambas se influenciam reciprocamente. Instituições económicas inclusivas levam a instituições políticas inclusivas e vice-versa.

A partir daqui seria maçador estar a expor em pormenor os muitos exemplos, comparações e análises que este livro contém. De referir apenas algumas das muitas curiosidades que ficamos a conhecer com esta leitura: cidades que estão em dois países, sendo desenvolvidas num e atrasadas noutro; presidentes que ganham a lotaria; uma fotografia nocturna extremamente reveladora das duas Coreias; empresários que o são por terem contactos privilegiados; perspectivas de países que irão singrar e outros que dificilmente o conseguirão.

Uma coisa é certa: desenvolvimento não tem a ver com cultura, com geografia, nem com ignorância das elites. Tem a ver com a natureza das instituições que a contingência histórica e social permitiu que surgissem e se consolidassem.

Ao ir avançando na leitura deste livro, dei comigo a ver a realidade à luz dos seus parâmetros. Este livro funciona como um excelente guia para analisar notícias e medidas de natureza política e económica que vão surgindo diariamente. Nessa medida é altamente enriquecedor. E deveria ser lido por todos os cidadãos e reflectido com seriedade e sem peias de natureza ideológica.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

sábado, 25 de maio de 2013

Feira do livro de Lisboa


Já lá fui.
Já me desgracei.
Vieram oito (aproveitando promoções e afins):
- O Espião que Saiu do Frio, de John Le Carré;
- Agosto, de Rubem Fonseca;
- A Cidade de Ulisses, de Teolinda Gersão;
- A Ilha, de Sándor Márai;
- Dublinesca, de Enrique Vila-Matas;
- A Cidade dos Prodígios, de Eduardo Mendoza;
- Submissão, de Amy Waldman;
- Servidão Humana, de Somerset Maugham.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O Carteiro de Pablo Neruda




Mario Jiménez, um jovem pescador, decide um dia que não foi talhado para as lides do mar e resolve abandonar o seu ofício para se converter em carteiro. Torna-se assim no carteiro do poeta Pablo Neruda, o único que recebe e envia correspondência na Ilha Negra.
Mario admira Neruda e aguarda o dia em que o poeta lhe dedique um livro ou aconteça mais do que uma breve troca de palavras ou o gesto ritual da gorjeta. O seu desejo ver-se-á finalmente realizado e entre os dois vai estabelecer-se uma relação muito peculiar.

Mario começa a ler a poesia de Neruda que começa a despertar-lhe sentimentos muito próprios. Não conseguindo resistir-lhe, começa a viver intensamente não só as metáforas que dão um sentido inesperado à sua vida, mas vai também ganhando consciência política, ou não estivéssemos nós em 1969.
Skármeta conta-nos a história de Mario a par e passo com a de Neruda, comunista assumido, galardoado em 1971 com o prémio Nobel da Literatura, com a de Salvador Allende, o primeiro marxista a ser eleito democraticamente em todo o mundo ocidental e a de Augusto Pinochet, o homem de direita que tomou o poder após um golpe militar que acabaria por ditar a morte de Allende, ainda que o nome deste último não apareça em nenhuma das páginas que compõem o livro.
As metáforas servem os desígnios do amor e Mario acaba casado com Beatriz González e Neruda como testemunha. Durante a cerimónia, o poeta recebe a notícia de que será Embaixador em Paris. Com a sua partida, Mario entrega-se a sentimentos de revolta com a vida e com a sua condição de explorado.
Neruda pede entretanto a Mario que lhe envie os sons da sua terra e este decide juntar um poema da sua autoria à gravação. Mostrando sempre gratidão e admiração pelo poeta, Mario dedica-lhe "Ode à Neve sobre Neruda em Paris":


"Branda companheira de passos sigilosos,
abundante leite dos céus,
imaculada fachada da minha escola,
lençol de viajantes silenciosos
que vão de pensão em pensão
com um retrato amarfanhado nos bolsos.
Ligeira e plural donzela,
asa de milhares de pombas,
lenço que se despede
de não sei bem o quê.
Por favor minha pálida bela,
cai amável sobre Neruda em Paris,
veste-o de gala com o teu alvo
traje de almirante,
e trá-lo na tua leve fragata
a este porto onde sentimos tanto a sua falta."


Neruda regressa à Ilha Negra, mas vem doente, preconizando o fim de um período de sonho e de esperança. A situação crítica do Chile, à época, precipita o golpe de Estado que leva ao poder Augusto Pinochet a 11 de Setembro de 1973. Mario consegue chegar à fala com Neruda, recolhido no seu quarto desde que chegou de Paris, com febres muito altas. Não tardou que o poeta fosse levado para Santiago, onde viria a morrer na Clínica Santa Maria, a 23 de Setembro de 1973. A televisão noticiou a morte de Neruda. Mario não dormiu nessa noite e, por volta das cinco da manhã, vieram-no buscar para uma acção de rotina. O que aconteceu ninguém sabe, mas a consciência política pode revelar-se um perigo quando serve para despertar outras ...

sábado, 27 de abril de 2013

A Ideia de Europa


Antes de mais, uma manifestação de interesse: sinto-me genuína e intrinsecamente europeu, tenho orgulho deste continente, apesar da muita História de que é feito. Numa palavra, serei eurocêntrico.
A origem deste livro é uma palestra de George Steiner no Instituto Nexus.
O que é que define a Europa para este pensador europeu?
Numa argumentação em 5 linhas, Steiner traça aquilo que entende serem as realidades que configuram e dão identidade à Europa:
“Cinco axiomas para definir a Europa: o café; a paisagem a uma escala humana que possibilita a sua travessia; as ruas e praças nomeadas segundo estadistas, cientistas, artistas e escritores do passado – em Dublim, até nos terminais rodoviários se indica o caminho para as casas dos poetas; a nossa descendência dupla de Atenas e Jerusalém; e, por fim, a apreensão de um capítulo derradeiro, daquele famoso ocaso hegeliano que ensombra a ideia e a substância da Europa mesmo nas suas horas mais luminosas.”
De uma forma apaixonante e enriquecedora, Steiner transporta-nos para além do olhar comum, para longe da espuma dos dias, e deixa-nos com sede de saber mais. É de tal forma assim, que li o livro duas vezes seguidas para melhor poder intuir-lhe o espírito. Para os europeus, este pequeno livro devia constar na mesa-de-cabeceira, e ser lido várias vezes por ano.

Vamos então às linhas apontadas por Steiner:

I – o café
“A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. (…) Desenha-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da «ideia de Europa».”
Embora pareça uma ideia simples, um café na Europa continental não é a mesma coisa que um pub inglês ou um bar irlandês, tal como é diferente de um bar americano. Os ambientes são diversos, os conteúdos também. As realidades humanas possíveis em cada um desses espaços são diferentes.

II - a paisagem a uma escala humana que possibilita a sua travessia
“A Europa foi e é percorrida a pé. Isto é fundamental. A cartografia da Europa é determinada pelas capacidades, pelos horizontes percepcionados dos pés humanos.”
Segundo Steiner, há uma “relação essencial entre a humanidade europeia e a sua paisagem. Metaforicamente, mas também materialmente, essa paisagem foi moldada, humanizada, por pés e mãos. Como em nenhuma outra parte do globo, as costas, os campos, as florestas e os montes da Europa, de La Coruña a S. Petersburgo, de Estocolmo a Messina, tomaram forma, não tanto devido ao tempo geológico como ao tempo histórico-humano.”
Tal como com os cafés, Steiner faz o contraponto face aos outros continentes.

III - as ruas e praças nomeadas segundo estadistas, cientistas, artistas e escritores do passado
Na Europa, os nomes atribuídos às ruas, praças, locais são os nomes de personalidades do passado. Cada recanto da Europa tem o peso da História. “Cidades como Paris, Milão, Florença, Francoforte, Weimar, Viena, Praga ou S. Petersburgo são crónicas vivas. Ler as respectivas placas toponímicas é folhear um passado presente.” O contraste, por exemplo, com os Estados Unidos, é dramático. “As avenidas, calçadas e ruas americanas são simplesmente numeradas ou, na melhor das hipóteses, como em Washington, conhecidas pela sua orientação, sendo o número seguido de «North» ou «West». E deixa esta deliciosa ironia: “os automóveis não têm tempo de considerar uma Rue Nerval ou um Largo Copernicus.”
Além deste lado evocativo, de referência histórica, cada um daqueles nomes tem uma carga histórica: “até uma criança na Europa de dobra sob o peso do passado”.
Tudo se resume nisto: “Um europeu culto é apanhado na teia de um in memoriam simultaneamente luminoso e sufocante.”

IV – a herança dupla de Atenas e Jerusalém
“Esta relação, simultaneamente conflituosa e sincrética, ocupou o debate teológico, filosófico e político desde os Doutores da Igreja a Leon Chestov, de Pascal a Leo Strauss. (…) Ser europeu é tentar negociar, moralmente, intelectualmente e existencialmente, os ideais, afirmações, praxis rivais da cidade de Sócrates e da cidade de Isaías.”
Estas heranças permitiram a música, a matemática e o pensamento especulativo. Todo o desenvolvimento de ideias que foi possível na Europa tem a sua raiz nestas duas cidades, e daqui partiu para o mundo. A filosofia, o vocabulário, mas também a matriz bíblica, pintam a traço grosso a ideia de Europa.
“O Judaísmo e as duas notas principais de rodapé, o Cristianismo e o Socialismo Utópico, são descendentes do Sinai”.

V – uma consciência própria escatológica
Uma das marcas da Europa é o facto de pensar-se a si mesma como tendo um fim, uma certa ideia de tragédia. “Muito depois daquilo que os historiadores denominam como «o pânico do ano mil», as profecias de condenação escatológica e as numerologias que procuram fixar a sua data povoam a imaginação popular europeia.”
“É como se a Europa, diversamente de outras civilizações, tivesse intuído que um dia ruiria sob o peso paradoxal dos seus feitos e da riqueza e complexidade sem par da sua História.
Duas guerras mundiais, que, na verdade, foram guerras civis europeias, conduziram a esta intimação ao ponto de ebulição.”

É à volta destas cinco linhas que George Steiner traça as fronteiras da ideia de Europa.
É a partir daqui que cabe a cada um de nós, europeus de qualquer país, pensar, compreender e defender este legado, com os seus momentos brilhantes e tenebrosos, como tudo aquilo a que o Homem põe a mão.
Fica uma certeza: conhecer o passado é compreender o presente e ter a possibilidade de projectar o futuro. A Europa tem muito passado; saibamos dar-lhe futuro.

terça-feira, 2 de abril de 2013

A Independência de uma Mulher



Se tiver de apontar os motivos pelos quais comprei este livro, diria que terá sido pelo nome da autora. Desconhecendo por completo a sua obra e não tendo desculpa para o facto, uma vez que o seu livro mais conhecido - Pássaros Feridos - faz parte da pilha sem fim lá de casa de livros a ler, pareceu-me uma boa oportunidade para conhecer o estilo desta brilhante escritora, dizem.
Depois, porque asseguravam tratar-se de «um livro de aventuras e romance, em que uma mulher forte e independente deixa a sua marca no mundo» - o tipo que favorece a protagonista e que prende desde logo a minha atenção.
E assim permaneceu na dúvida este livro, à espera...


Depois de ler Orgulho e Preconceito, motivada por algo que não se explica, resolvi retirar este livro do seu coma literário e, depois de ler novamente a sinopse, cheguei à conclusão que o timing não podia ser mais perfeito!
Não vou acrescentar uma vírgula à mesma ou estarei a desvendar uma história que merece ser lida e descoberta:


«Toda a gente conhece a história de Elizabeth Bennet, que se casou com Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito. Mas o que aconteceu a Mary, a sua irmã?
Todas as irmãs de Mary conquistaram o seu destino: Jane tem um casamento feliz e uma grande família; Lizzie e Mr. Darcy ganharam uma extraordinária reputação social; Lydia conquistou uma reputação bem diferente; e Kitty é requisitada pelos salões mais luxuosos de Londres. Mary, por outro lado, é uma mulher transformada, agora independente de obrigações familiares. Decide escrever um livro onde põe a nu os males do seu país e o drama dos pobres. Mas as suas viagens de pesquisa irão colocar em risco a sua própria vida - e acabarão por lançá-la nos braços do homem que a inspirou.»


E visto que vou finalmente despedir-me de todos estes personagens, não posso fazê-lo sem antes confessar o meu fascínio por Mr. Darcy. Se tivesse de apontar um personagem literário inspirador, esta seria, sem dúvida, a minha escolha.
A sua transformação ao longo de Orgulho e Preconceito e depois em A Independência de uma Mulher é gritante, faz-nos acreditar que não há impossíveis para o poder redentor do amor e, tomados pela sua mão, esquecemos junto com ele as marcas do passado e abrimos um novo capítulo em mais uma história cujo fim pode ser aquilo que quisermos.

Só precisamos seguir o exemplo de Colleen McCullough e dar largas à imaginação!

terça-feira, 12 de março de 2013

Kramer contra Kramer



Este livro surge por pura curiosidade.
Em Fevereiro, quando não se falava de outra coisa a não ser em Óscares, decidi averiguar o filme que havia ganho o tão afamado globo de ouro em 1980 – o ano do meu nascimento.


And the winner is: Kramer vs. Kramer.

Venceu em cinco categorias: melhor filme, melhor director, melhor actor (Dustin Hoffman), melhor actriz secundária (Meryl Streep) e melhor argumento adaptado.
Satisfeita esta curiosidade, vamos a outra. Tento primeiro ler o livro antes de ver o filme. Se não souber de antemão que este é baseado num livro, registo o facto e trato logo de o descobrir. E este foi um daqueles acasos. Lá estava ele à minha espera numa dessas feiras de livros despachados por já estarem fora de prazo.

Sobre a história não há muito a dizer. Ted Kramer, o típico pai de família que não vota muita atenção à família pois o sustento da mesma vem em primeiro lugar. A sua única preocupação é fazer bem feito o seu trabalho no intuito de ser reconhecido profissionalmente e ganhar mais dinheiro para poder prover tudo o que a sua família precisa. Recaem portanto sobre Joanna, a sua esposa, todas as agruras da vida doméstica. Joanna chega um dia ao limite e sai de casa, deixando um bilhete, Billy e todas as obrigações de dona de casa com Ted, que está longe de imaginar o que isso significa.
Assistimos às dificuldades e à forma como vão sendo vencidas com o apoio dos amigos e vizinhos. Joanna reaparece entretanto, decidida a ficar com o filho. Ted não cede facilmente pelo que acabam por encontrar-se na barra de um tribunal onde ambos lutam pela custódia de Billy.  

segunda-feira, 11 de março de 2013

Orgulho e Preconceito



Esta é uma história de amores, desamores, diferença vincada de classes, viagens pelo campo, propriedades, cartas que justificam, mortificam, rumores, encontros e desencontros.
Uma história com voltas e reviravoltas de prender o leitor desde a primeira página!
 Não posso contudo dizer que seja fácil ler Jane Austen, esta não nos deixa esquecer que escreveu este romance no séc. XVIII.

As palavras «orgulho» e «preconceito» semeadas ao longo de todo o livro servem de bitola a todas as nossas personagens, mas é Elizabeth e Darcy quem nos mostram o sentido das mesmas e a profundidade com que podem ser utilizadas para ferir alguém.

Tal como no filme, a história começa com a vinda de Mr. Bingley a Netherfield, um jovem bem-parecido que chega acompanhado da irmã, Caroline Bingley e de um amigo, Mr. Darcy.
Enquanto Bingley, de génio fácil é bem recebido no seio da comunidade rural, Darcy mantem uma postura mais distante e desconfiada, que todos interpretam como orgulho do alto da sua posição social.
Bingley fica imediatamente rendido ao encanto de Jane Bennet, apesar das intromissões grosseiras e embaraçosas de Mrs. Bennet e da relutância da irmã em aceitar a posição social inferior de Jane. Enquanto isso, Elizabeth é rejeitada por Darcy, que parece não levar muito a sério a afronta. Este é o ponto onde começam os enganos e desenganos que alimentam a animosidade entre ambos.


Mr. Wickham muito contribui para isso ao dizer-se profundamente injustiçado às mãos de Darcy, alimentando o ódio que Elizabeth lhe dedica. A história evolui e outro personagem entra em cena - Mr. Collins, o primo que herdará Longbourn após a morte de Mr. Bennet, um clérigo pedante que goza da protecção de Lady Catherine de Bourgh e que vem escolher, entre as irmãs Bennet, uma esposa. Rejeitado por Elizabeth, acaba por propor casamento à sua amiga íntima, Charlotte Lucas, que aceita, convencida de que não terá outra oportunidade para casar, embora sem amor.

Inesperadamente Bingley retira-se para Londres, deixando Jane confusa e desapontada, o que a leva, a convite dos tios, a passar uma temporada longe do Hertfordshire.
E aqui começam as viagens pelo campo, propriedades e as cartas que justificam. E é através de uma dessas cartas que Elizabeth começa a mudar de opinião em relação a Darcy. Confusa admite a si mesma que talvez se possa ter enganado em relação ao seu carácter, tendo-se deixado levar por Wickham e suas impressões. Meses mais tarde surge a certeza, durante um passeio pelo Derbyshire, quando Elizabeth visita Pemberley, a casa de Darcy, com os tios. Os desenganos parecem desfeitos quando a caseira que o criou desde a infância, o descreve de forma absolutamente contraditória aquela que Elizabeth acalenta.


Chega entanto a carta que mortifica. Lydia foge com Wickham ameaçando arruinar a reputação da família Bennet, mas tudo é resolvido sem demora para que ambos casem. Enquanto visitam Longbourn, Lydia comenta a presença de Darcy no seu casamento e, surpresa, Elizabeth acaba por descobrir que este é o único e verdadeiro responsável pelo casamento e pela salvação da honra da família.

Darcy e Bingley regressam a Netherfield e este último propõe casamento a Jane. Imediatamente surgem rumores de que Darcy fará o mesmo a Elizabeth. Lady Catherine, alarmada, vai até Longbourn e confronta Elizabeth, acabando involuntariamente por unir os dois.
E vivem todos felizes para sempre, Jane e Bingley em Netherfield, mudando-se depois o Derbyshire, para ficarem mais perto de Elizabeth e Darcy em Pemberley.
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Passou uma semana desde que acabei o livro e não consigo deixar de pensar em todos os seus personagens, como se quisesse que a sua história não acabasse ali. Gostaria que ela pudesse continuar, saber o que é feito de cada um deles. E como irão ver, parece que alguém me fez a vontade….

domingo, 10 de março de 2013

Deixa-me entrar na tua vida


Alda e Luísa dividem um apartamento cujo único espaço comum é o hall de entrada. Alda é uma médica à primeira vista brilhante e querida de todos, Luísa é uma editora que vem partilhar a casa com a prima após esta ficar viúva. Duarte é um músico, amigo de Luísa.
Indo além neste retrato simplista, Alda, após a morte do marido, de quem não se consegue desligar, começa a beber. Embora diga que consegue controlar-se e que não é alcoólica, isso não corresponde à verdade. Luísa sabe da sua realidade, e tenta ajudá-la constantemente, mas em vão, abdicando da sua própria vida. Luísa vive em função de Alda. Não escolhe, não tem vida própria.
Luísa, entre os livros, as edições e os lançamentos, vai-se reaproximando de Duarte, um amigo de longa data, e que tinha estado ausente. Entre eles estabelece-se uma relação dúbia, de querer e não querer, de serem apenas amigos ou de serem mais qualquer coisa. Ele, sabendo do drama familiar de Luísa, tenta afastá-la desse mundo, tenta que ela tenha vida além da Alda.
Duarte vive entre os seus ensaios de jazz e a aproximação à Luísa. Com o desenrolar da história percebemos que Duarte tem uma experiência que pode ajudar Luísa a lidar melhor com a situação da Alda.
Neste livro, Margarida Fonseca Santos centra-se no tema do alcoolismo, e a história desenrola-se à volta destas três personagens. Luísa tenta ajudar Alda, que não quer ser ajudada e julga que está tudo bem. Duarte, o terceiro vértice deste triângulo, tenta ajudar Luísa a sair da sua dependência de Alda.
Com uma estrutura a três tempos, em que a cada momento uma das personagens principais vai assumindo o papel de narrador, Margarida Fonseca Santos transmite-nos as angústias e os sentimentos de cada uma de viva voz, e faz-nos entrar profundamente nessas vivências individuais. Ou seja, em “Deixa-me entra na tua vida” ganha vida a frase de Willian Styron: “nós vivemos várias vidas enquanto lemos”.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

«Um bom livro deve deixar-nos à beira da exaustão. Nós vivemos várias vidas enquanto lemos.» 
William Styron (1925-2006)

Estou a ler um livro que, nalguns momentos, me deixa com essa sensação.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Príncipe e o Pobre



Inglaterra, século XVI.
Tom Canty, um rapaz pobre, serve-se da sua imaginação para escapar às agruras da vida e, entre brincadeiras, cria para si uma vida palaciana cheia de riquezas, alimentada pelas histórias que lê nos livros que o bom padre Andrew lhe empresta.


Chega o dia em que um desses sonhos é mais forte do que ele e resolve sair de casa (se é que se pode chamar de casa a um quarto miserável onde vive com a mãe, o pai, a avó e as duas irmãs) decidido a conhecer um castelo e um príncipe de verdade.
Percorre a cidade até chegar a um estranho caminho que o leva até ao portão de um castelo, mas ao chegar mais perto é brutalmente barrado pelo guarda. Eduardo, o príncipe de Gales, que assiste a tudo, vem em seu auxílio e convida-o a entrar nos seus aposentos. Trocam confidências e o príncipe confessa-lhe que também ele sonha em brincar ao ar livre, longe dos seus deveres protocolares.
Descobrem que são ambos bastante parecidos e, inocentemente, resolvem trocar de roupa e é quando Edward sai do palácio, com os trapos de Tom, decidido a dar uma reprimenda no guarda que acaba por o escorraçar, não o reconhecendo.


E assim começa a aventura de um na pele do outro. Mark Twain serve-se de um e outro para criticar a sociedade da época, tecendo críticas mordazes à vida luxuosa da realeza e da nobreza em geral através de Tom pelo modo como, exageradamente, se vê rodeado de criados que se substituem a ele em todas as suas tarefas diárias, desde o acordar ao recolher (chega a ser cansativo ler a descrição que o autor faz de um gesto corriqueiro, levado ao exagero, como vestir-se).
Enquanto isso, o verdadeiro príncipe, e mais tarde rei Eduardo VI, é arrastado pela multidão, a quem tenta convencer de que é o príncipe de Inglaterra, não conseguindo mais do que gargalhadas e maus tratos. Vestido de andrajos, deambula pelas ruas de Londres, tido como um pedinte, testemunhando actos de crueldade e de violência permitidos e até decretados pelas leis em vigor, ficando genuinamente horrorizado por alguns e ainda com a falta de bondade de uma sociedade que se diz cristã.
Os acontecimentos precipitam-se, bem como o dia da coroação, onde Tom está prestes a ser coroado rei e a reinar de pleno direito. O momento é dramático, mas não deixa de ser comovente o ajuste de contas entre as nossas personagens, estando bem patentes os traços que caracterizam as obras de Mark Twain: a camaradagem e a amizade.

Depois deste curto período entre os clássicos, tenho um pedido a fazer a quem escreve e publica livros: regressem ao que é simples, esqueçam os arrebiques, as figuras de estilo, escrevam como quem fala cativando quem lê e vão perceber a beleza perdida da leitura que flui livremente. Está na hora! Quanto a mim, percebi finalmente…

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Todas as Palavras de Amor

Das leituras da Filomena, esta sugestão:

"Num discurso recheado de sinceridade Alice expressa o que lhe vai na alma à medida que nos cativa...Do outro lado, o emissor, por engano... é padre. A cada chegada das missivas de Alice as dúvidas de António vão surgindo e o lugar do Amor começa a fazer ninho. Um exemplo de que nunca é tarde para recomeçarmos com afectos e sonhos que haviam ficado por realizar. Lindo, profundo e imprescindível a todas as leitoras que gostam de um bom romance. Cartas intrigantes que conseguem manter-nos acordadas uma noite... porque não se consegue deixar as palavras de Amor num envelope."

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Passatempo Paleta de Letras

A Paleta de Letras enviou-nos um mail a divulgar o passatempo 12 meses, 12 livros.
Todos os meses de 2013 há um livro para oferecer. Podem ver a lista de livros neste link.
Boas leituras. Boas participações.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

As Minas de Salomão



De volta aos clássicos, começo por apresentar a D. José da Silveira - português - e depois os seus descendentes que, além do nome, não herdaram mais do que o infortúnio de se terem aventurado em busca das famosas riquezas das minas do rei Salomão, não conseguindo outra riqueza além daquelas que povoavam os seus pensamentos, sugando-lhes a vida.
O último Silveira a tentar conseguiu, no entanto, antes de morrer, passar o seu legado, um segredo guardado de geração em geração, nada mais que um rabisco em forma de mapa, num farrapo gasto pelo tempo.

E aqui apresento-vos o invulgar Quartelmar, um caçador e aventureiro q.b., que tendo na sua posse o dito mapa, nunca acreditou na sua autenticidade para empreender uma busca por sua conta o que o tornaria rico. Mas tudo isto estaria prestes a mudar quando conhece o Barão Curtis, um aristocrata inglês e o seu amigo, o Capitão John, que lhe pedem ajuda para localizarem o irmão do Barão, que terá partido em busca das minas, assim dizem os relatos de quem o viu pela última vez.
Quartelmar aceita liderar a expedição em troca de parte do tesouro e, no caso de não voltar vivo, uma pensão para o filho. Firmado o acordo, prepara-se a viagem e com eles parte também Umbopa, um enigmático nativo que nada quer a não ser fazer parte do grupo como carregador.

Atravessar o deserto não se revela tarefa fácil e são muitos os momentos em que perdem a fé e questionam se o mapa será verdadeiro, mas a vontade é férrea e conseguem chegar ao oásis desenhado no mapa e depois ao sopé da cordilheira onde, numa caverna, encontram o cadáver de José Silvestre, o explorador português do séc. XVI que havia desenhado o mapa.
Animados por esta certeza, continuam a marcha e chegam a um vale deslumbrante onde são surpreendidos pelos Cacuanas. Fazendo-se passar por deuses conseguem evitar a morte certa e ser levados à presença do rei Tuala.  Através de Infandós ficam a conhecer a história da sua ascensão do trono, de como assassinara o seu próprio irmão Imotu para subir ao poder, condenando ao exílio o legítimo herdeiro - Ignosi. E, sem surpresa, ficamos a saber que Umbopa é afinal o herdeiro desaparecido que poderá livrá-los da tirania levada a cabo pelo usurpador. Desencadeia-se uma rebelião para derrubar Tuala que cai morto num duelo, às mãos do Barão.

Restituído o trono, os nossos amigos partem finalmente em busca das «pedras que reluzem» conduzidos pela repulsiva Gagula, a única capaz de levá-los ao tesouro mas que, traindo-os, os deixa presos dentro da montanha. Mas como já vem sendo hábito ao longo da história, a providência tem outros planos e conseguem descobrir uma saída e regressar de novo a Lu e ainda encontrar o irmão do Barão que estava preso havia dois anos num oásis, incapaz de se deslocar. A despedida é sentida e embora não tendo conseguido trazer as riquezas imensas de Salomão, voltam todos para Inglaterra com o suficiente para serem considerados homens ricos.

Uma história fantástica, de uma simplicidade marcante!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Desafio Literário - a outra metade


1. Principais manias como leitor?
Devo ter algumas, se é que se podem chamar manias:
- Colar um post it na primeira página do livro onde aponto as páginas onde li uma frase marcante, uma palavra que preciso descobrir no dicionário, uma personagem/lugar de que preciso lembrar-me, etc…
- Forrar o livro para não estragar a capa;
- Não gosto de dobrar o canto das páginas, sublinhar, pintar ou de qualquer outra forma marcar o interior do livro;
- Se por volta da página 50 ainda não estiver completamente rendida à história dificilmente vou continuar a ler.

2. Lugar a visitar depois de teres lido o livro?
Muitos e todos eles situados no Egipto. Mas pelo andar das coisas, vou continuar a viajar através da minha imaginação e dos livros que vou colecionando sobre o tema.


3. Personagem literária marcante?
Toda a protagonista Mulher e que, contra tudo e todos, tome nas mãos as rédeas do seu destino, desafiando regras e costumes estabelecidos.


4. Filme que não desiludiu depois de teres lido o livro?
Revolutionary Road (2008). O único filme que vi até hoje onde reconheço cada página do livro.


5. Autor nunca lido mas tens vontade de ler?
Arturo Pérez-Reverte ou talvez Erich Maria Remarque, é difícil escolher apenas um.


6. Livro que não conseguiste acabar?
Já lhes perdi a conta. Acredito que quando escolhemos um livro e o retiramos da prateleira, é ELE que escolhe o momento e não o contrário. E por isso, se começo e não acabo tantos livros, é porque simplesmente não era o momento…


7. Tema para um livro da tua autoria?
Encontros e desencontros, palavras soltas que se juntam e quem sabe se não nasce um livro.


8. Citação retirada de um livro?
Passei em revista todos os livros aqui publicados e percebi que não tenho por hábito deixar citações. Assim deixo-vos com a frase:

"Because it's magic. Magic has to be believed. It's the only way it's real."
 e com um livro de onde poderia retirar várias citações.

9. Um livro inspirador?
 O Livro Mágico. Mudou a minha vida, literalmente!


10. Último livro que compraste por impulso?
A Mão Esquerda das Trevas.
Vi um filme em que o protagonista era fã de livros de ficção científica (eu não sou e nem me lembro de alguma vez ter lido algo dentro do género) e menciona este entre outros. A forma como falou do livro no filme fez com que ficasse curiosa, fui ver se tinha tradução entre nós e comprei.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Ernestina




Não há nada de mais sublime do que ler um livro que nos fascina em todos os sentidos.

E não que seja um êxito de prateleira, que não é.
E, pelo que sei, também não esteve no top de vendas da maior parte das livrarias quando foi editado.
Do autor, o nome também não está rotulado de best-seller comercial entre nós.
Ao que consta, os seus livros vendem – na Holanda, onde tem sido reconhecido por críticos e leitores em geral.
Por cá, pese embora o empenho da Quetzal em publicar aquele que pode ser considerado uma descoberta literária para quem gosta do género, continua a ser, para muitos, um perfeito desconhecido.

J. Rentes de Carvalho conta-nos a sua história através de várias histórias ou não fosse ele um contador de histórias nato. As páginas não são mais do que as memórias de uma infância que se divide por Vila Nova de Gaia onde nasceu, o Porto onde estudou e Estevais onde passava as férias do mês de Agosto (gosto especialmente destes episódios, por serem tão reais).

Mas Ernestina é mais do que um romance autobiográfico, é também o nome da mãe do autor e sobre ela J. Rentes de Carvalho viria a dizer: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi uma de tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos os laços que a ela me prendem.» 
Penso que seja a simplicidade, a riqueza da linguagem típica e quase esquecida no tempo e que na boca de um transmontano me faz recordar tudo aquilo que parecia esquecido por ter caído em desuso. Quase que estou tentada a deixar aqui um rol de palavras que ninguém usa por aqui mas que ainda andam na boca de todos em Rapoula do Côa. Revivi através dele episódios da minha própria infância, onde a rudeza dos costumes moldavam as pessoas à boa maneira portuguesa. 
Em entrevista, J. Rentes de Carvalho diz escrever com o sentimento de pertença, ao povo, à língua e à terra em que nasceu, e posso acrescentar que isso está marcadamente à vista em todas as páginas que compõem o livro. Segundo ele, «(…) é uma questão de transmitir pela escrita uma certa franqueza interior, sem lindezas nem arrebiques, e chamando às coisas pelo seu nome, o que no contexto da literatura portuguesa contemporânea é capaz de parecer exótico.»
Pena este autor não ter o merecido destaque em Portugal.
Para finalizar, não resisto em deixar-vos aqui um ‘à parte’ - quando lhe perguntam em entrevista: E de Trás-os-Montes, que ventos lhe chegam? E ele responde que finalmente o saneamento básico chegou à sua aldeia (Estevais de Mogadouro). «O benefício, prometido há mais de quinze anos, avança agora à velocidade clássica das obras de Santa Engrácia, de maneira que não será tão cedo que dispensaremos o penico.
Mas as pessoas recomendam-me que não seja azedo e faça como elas fazem, que me habitue a aguentar e a esperar.» 
…à boa maneira portuguesa… mais uma vez!

domingo, 6 de janeiro de 2013

Livro

Este é a primeira obra que leio de José Luís Peixoto
Centra-se em Ilídio, um rapazinho que é abandonado pela mãe junto a um fontanário, e acompanha-o até à idade adulta, quando emigra para França. À procura da sua sorte, e atrás da Adelaide, a sua paixão correspondida. 
Relata as vivências de várias pessoas num ambiente rural, pequeno, provavelmente no Alentejo, e, também, a vida de quem emigrou para França. Num misto de campo e cidade, mas em que o padrão das personagens é semelhante: oriundas de um meio em que todos se conhecem, e em que todos sabem tudo de todos. E é neste ambiente que é possível criar situações que nos captam a atenção. 
Dividido em duas partes, os primeiros dois terços relatam as vivências acima. Depois há um corte abrupto, e surge-nos o último terço do livro, que me pareceu um momento de divagação do autor, entretecido com a continuação da parte anterior. Confuso para mim. 
O que me pareceu interessante nesta obra foi a utilização de palavras manifestamente populares, mas caídas em desuso ou para mim desconhecida. Enriquece o texto, deixa a curiosidade pelo significado, e fica um sorriso na cara. 
Por exemplo, “o touro estafonou-o todo”, ou “Vem. Estou pronta, meu amor, meu grande amor. Entra dentro de mim, estafona-me toda. Estou limpa e pronta.” Além desta, há muitas outras palavras estranhas que conferem graça ao longo de todo o romance. 
Ou a utilização de imagens como “quando a Adelaide saiu de trás do muro do chafariz, já uma vírgula iniciara o percurso em direcção ao seu útero.” 

Não tendo, na minha opinião, uma escrita luminosa, José Luís Peixoto consegue relatar bem uma história. E realço o termo “relato”, uma vez que parece que é disso que se trata. Os diálogos são praticamente inexistentes (se juntarmos todos os momentos de diálogo deste romance, não devem encher duas páginas), o que confirma que é possível escrever um livro ou romance sem diálogos. 
Quanto à escrita neste romance, achei notável, logo no início, o autor escrever várias páginas em que pôs o leitor a par de várias informações sem que a personagem Ilídio tivesse saído de junto do fontanário. É como se fosse projectado um vídeo, que pára num determinado momento, e surge uma voz off para nos contar outra coisa, e depois é retomada o movimento da imagem. Fantástico! 

Ler um novo autor é aprender uma nova linguagem. Peixoto, com este Livro, não me seduziu. Pode ser que no futuro faça uma nova tentativa.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Resoluções para 2013

"Em 2012 consegui ler ou reler Eça, Camilo, Jorge Amado, Virginia Woolf, William Faulkner, Ford Madox Ford, Dylan Thomas, Graham Greene, Julio Cortázar, Joseph Roth, Nelson Rodrigues, Pérez-Reverte e Erich Maria Remarque, entre alguns outros. Li muito menos do que gostaria, mas muito mais do que eu próprio antevi ao iniciar-se o ano num tempo em que tudo nos afugenta da leitura - do ruído circundante às contínuas invasões do nosso reduto íntimo através desses instrumentos omnipresentes no quotidiano do homem contemporâneo que são os computadores e os telemóveis, cada vez mais sofisticados, cada vez mais intromissivos.

A capacidade de concentração de cada de um de nós vai-se diluindo, por obra e graça destes aparelhos que nos põem em contacto com o mundo e com um sem-fim de amigos "virtuais" que nunca vimos mais gordos. A reflexão é inimiga desta constante fragmentação em que vivemos: é raro o filme que se vê até ao fim - mesmo numa sala de cinema - sem o contínuo piscar da luz do telefone portátil, adereço hoje obrigatório, espécie de prolongamento da mão de cada um.

E, no entanto, continuamos a ter direito ao silêncio. Continuamos a sentir necessidade de alguma solidão que nos permita o indispensável reencontro connosco próprios por detrás da espuma dos dias - tão ilusória, tão fugaz, tão enganadora. Continuamos a sentir necessidade daquelas horas de recolhimento a sós com um livro, com um filme, com aquele disco que há muito pretendíamos escutar sem a inevitável gritaria dos anúncios da TV em fundo ou o insistente apito das inúteis mensagens de telemóvel apregoando mais uma campanha de descontos daquele perfume que nunca iremos comprar ou daquela peça de roupa que jamais usaremos.

De tudo quanto pedimos que nos traga o Ano Novo, peçamos-lhe também alguns períodos de paz interior que nos permitam algo tão elementar como ir ao encontro de um livro adormecido numa estante. Talvez aquele que há anos queremos ler sem o conseguir por algum motivo fortuito. Ou revisitar aquele de que gostámos muito há uma dúzia de anos.

E não abdiquemos também do direito de pensar - arranjemos também algum tempo para reflectir. Para nos interrogarmos. Para não nos deixarmos levar pelos pregoeiros de serviço ou pelos vendedores de ilusões. "O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos - é não termos já mesmo perguntas", escreveu Vergílio Ferreira na sua Conta Corrente, cheio de razão.

Tentemos que o nosso 2013 não seja assim."