domingo, 28 de junho de 2009

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A magia das palavras

Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa:

"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.

Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.

O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.

Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento.
Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.

Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.

Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo.

Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula.

Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.

Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.

Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular.

Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.

Nisto a porta abriu-se repentinamente.

Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.

Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.

Que loucura, meu Deus!

Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.

Só que, as condições eram estas:

Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva."

Fernanda Braga da Cruz

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Os Maias

E eis que, ao fim de não sei quanto tempo, conclui a releitura de Os Maias. No meu já velhinho livro, comprado em Junho de 1992, de páginas amarelecidas. Acho até que foi o primeiro livro que comprei… custou 463,00 escudos...

Não vou pormenorizar muito a história deste livro grande da literatura portuguesa, no entanto, deixo algumas impressões.

Sob a apurada luneta de Eça de Queirós, traça-se uma deliciosa e cruel sátira social da Lisboa do final do séc. XIX, à sua burguesia, à sua vivência.

No início, ainda jovens, Carlos da Maia e João da Ega são o símbolo do futuro, do desejo de fazer, de mudar. Pululam de ideias fantásticas, de ideais nobres, aspiram a grandes feitos.

Como passar do tempo, tudo se vai esboroando. Carlos não consegue impor-se como médico no seu luxuoso consultório; Ega, um diletante, não vinga com os seus ideais elevados, e volta a Celorico. Depois regressará à capital.

No início, quando Carlos opta por ser médico, temos este diálogo:

“- Ora essa! – exclamou Afonso. – E porque não há-de ser médico a sério? Se escolhe uma profissão, é para exercer com sinceridade e com ambição, como os outros. Eu não o educo para vadio, muito menos para amador; educo-o para ser útil ao seu país…

- Todavia – arriscou o Dr. Juiz de Direito com um sorriso fino –, não lhe parece a Vossa Excelência que há outras coisas, importantes também, e mais próprias talvez, em que seu neto se poderia tornar útil?...

- Não vejo – replicou Afonso da Maia. – Num país em que a ocupação geral é estar doente, o maior serviço patriótico é incontestavelmente saber curar.”

Ao longo do romance, sucedem-se encontros e desencontros sociais. Todos feitos de fogos-fátuos, altamente moralistas, com ideias para mudar Portugal. Mas nada fazem.. Gastam o tempo em convívios, jantares, noitadas, soirées, charutadas, patuscadas, hotéis… Ninguém concretiza nada. É tudo platónico, longínquo, perfeito, idealista. E o país continua uma choldra.

Mas vão sendo escalpelizados os problemas que já então afectavam o país. Numa dessas soirées…

“Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta – “cobrar imposto” e “fazer o empréstimo”. E assim se haveria de continuar…”

(…)

“Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! À bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da “inscrição”, em não lha pagando, agarra o cacete; e procedendo por princípio, ou procedendo apenas por vingança – o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o “calote”, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal, livre da velha dívida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas…”

Todos têm grandes frases, verve, retórica, “veia”. Em linguagem actual, seria tão-só show off.

São todos cultos, com grandes referências literárias e artísticas. Querem repetir, celebrar essas grandezas, mas não passam da retórica, da frase sonante. AA certa altura, já quase no fim do romance, Carlos sonha converter um quarto do Ramalhete num fumoir, onde surgiria um cenáculo de diletantismo e de arte… “e passa-se a noite numa medonha orgia de ideal!...”

É a grandiloquência permanente.

Em cada página reconhecemos o Portugal actual: os mesmos discursos sonantes, os mesmos moralismos vazios, as mesmas "públicas virtudes/vícios privados", os grandes ideais... mas o país sendo "a choldra".


No fim, o último capítulo, é o retrato perfeito do país sem futuro, sem ideias, molengo, caricatural de tudo o que vem do estrangeiro.

A passagem de Carlos e Ega pelo Ramalhete, volvidos 10 anos sobre os trágicos acontecimentos que dão desenlace à história, são a imagem da desolação, da desilusão, do abandono, do fim. O próprio Ega o diz:

“- falhámos na vida, menino!”

Este é o pano de fundo social, político, cultural em que decorre a história da família Maia.

Carlos da Maia é filho de Pedro da Maia e de Maria Monforte. Pedro, por sua vez, é filho de Afonso da Maia.

Quando Maria Monforte foge com o italiano Tancredo, leva consigo a pequena Maria Eduarda, deixando o filho Carlos da Maia. Pedro da Maia, desolado, suicida-se.

O velho Afonso da Maia fica a cuidar do seu neto, ocultando-lhe todo o seu passado, a história da sua mãe. E, convencido da morte da sua neta, garante a Carlos que a irmã morreu.

Passados muitos anos, já homem feito e de paixões fáceis, o destino põe no caminho de Carlos uma bela senhora vinda do estrangeiro, mãe de uma menina. A paixão sobrevém… mas há um segredo que ambos desconhecem e os vai marcar tragicamente.

o Mundo de Sofia

Faz cinco anos que Sophia de Mello Breyner nos deixou.
O PÚBLICO resolveu fazer uma pequena homenagem ao revelar-nos algumas intimidades do seu espólio. É comovedor!

terça-feira, 16 de junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Revolutionary Road

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Assim que ficamos a saber que determinado livro vai ser adaptado a filme, apressamo-nos a ler o mesmo com o intuito de podermos depois compará-lo à produção cinematográfica. E, regra geral, ficamos decepcionados.
Ou porque o filme não destaca este ou aquele detalhe que nos pareceu importante no livro ou porque deturpa de tal forma a história que ficamos na dúvida se estamos de facto a falar de uma adaptação na verdadeira acepção da palavra.
Ficamos à espera que aquela cena desperte em nós a mesma imagem que construímos fruto da nossa imaginação alimentada pelas descrições do autor. Mas quando isso não acontece, ficamos simplesmente com uma sensação de vazio, com uma sensação de que fomos enganados.
Não é o caso de Revolutionary Road. O filme segue à letra o livro de Richard Yates. Associamos sem dificuldade cada um dos capítulos a cada um dos episódios que nos foram apresentados na tela. O livro permite-nos descodificar os sentimentos envolvidos nas cenas mais emocionantes, relegando para segundo plano o [bom ou mau] desempenho dos actores, uma vez que não restam dúvidas quanto aquilo que queriam transmitir.
Por outro lado e porque nos é apresentado no livro o background de cada uma das personagens, ficamos definitivamente esclarecidos em relação ao que são, ao que sentem, à forma como reagem e a tudo aquilo que as move e moveu para chegarem aquele preciso instante das suas vidas.
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Sam Mendes conseguiu e com mestria compor um cenário em que reconhecemos a essência do livro – a história de um casal em que um e outro anda perdido no limbo do que é e do que gostaria de ter sido. E quando finalmente percebem que não é possivel continuar a viver na ilusão que criaram, o sonho transforma-se num pesadelo.
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Sobre o livro:
«O primeiro romance de Richard Yates [Revolutionary Road] tornou-se um clássico logo após a sua publicação em 1961. Nele, Yates oferece um retrato definitivo das promessas por cumprir e do desabar do sonho americano. Continua hoje a ser o retrato da sociedade americana.
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Um casal jovem e promissor, Frank [Leonardo DiCaprio] e April Wheeler [Kate Winslet], vive com os dois filhos num subúrbio próspero de Connecticut, em meados dos anos 50. Porém, a aparência de bem-estar esconde uma frustração terrível resultante da incapacidade de se sentirem felizes e realizados tanto no seu relacionamento como nas respectivas carreiras. Frank está preso num emprego de escritório bem pago mas entediante e April é uma dona de casa frustrada por não ter conseguido seguir uma promissora carreira de actriz. Determinados a identificarem-se como superiores à crescente população suburbana que os rodeia, decidem ir para a França, onde estariam mais aptos a desenvolver as suas capacidades artísticas, livres das exigências consumistas da vida numa América capitalista. Contudo, o seu relacionamento deteriora-se num ciclo interminável de discussões, ciúmes e recriminações, o que irá colocar em risco a viagem e os sonhos de auto-realização.»
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Sobre o Filme: