terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Ernestina




Não há nada de mais sublime do que ler um livro que nos fascina em todos os sentidos.

E não que seja um êxito de prateleira, que não é.
E, pelo que sei, também não esteve no top de vendas da maior parte das livrarias quando foi editado.
Do autor, o nome também não está rotulado de best-seller comercial entre nós.
Ao que consta, os seus livros vendem – na Holanda, onde tem sido reconhecido por críticos e leitores em geral.
Por cá, pese embora o empenho da Quetzal em publicar aquele que pode ser considerado uma descoberta literária para quem gosta do género, continua a ser, para muitos, um perfeito desconhecido.

J. Rentes de Carvalho conta-nos a sua história através de várias histórias ou não fosse ele um contador de histórias nato. As páginas não são mais do que as memórias de uma infância que se divide por Vila Nova de Gaia onde nasceu, o Porto onde estudou e Estevais onde passava as férias do mês de Agosto (gosto especialmente destes episódios, por serem tão reais).

Mas Ernestina é mais do que um romance autobiográfico, é também o nome da mãe do autor e sobre ela J. Rentes de Carvalho viria a dizer: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi uma de tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos os laços que a ela me prendem.» 
Penso que seja a simplicidade, a riqueza da linguagem típica e quase esquecida no tempo e que na boca de um transmontano me faz recordar tudo aquilo que parecia esquecido por ter caído em desuso. Quase que estou tentada a deixar aqui um rol de palavras que ninguém usa por aqui mas que ainda andam na boca de todos em Rapoula do Côa. Revivi através dele episódios da minha própria infância, onde a rudeza dos costumes moldavam as pessoas à boa maneira portuguesa. 
Em entrevista, J. Rentes de Carvalho diz escrever com o sentimento de pertença, ao povo, à língua e à terra em que nasceu, e posso acrescentar que isso está marcadamente à vista em todas as páginas que compõem o livro. Segundo ele, «(…) é uma questão de transmitir pela escrita uma certa franqueza interior, sem lindezas nem arrebiques, e chamando às coisas pelo seu nome, o que no contexto da literatura portuguesa contemporânea é capaz de parecer exótico.»
Pena este autor não ter o merecido destaque em Portugal.
Para finalizar, não resisto em deixar-vos aqui um ‘à parte’ - quando lhe perguntam em entrevista: E de Trás-os-Montes, que ventos lhe chegam? E ele responde que finalmente o saneamento básico chegou à sua aldeia (Estevais de Mogadouro). «O benefício, prometido há mais de quinze anos, avança agora à velocidade clássica das obras de Santa Engrácia, de maneira que não será tão cedo que dispensaremos o penico.
Mas as pessoas recomendam-me que não seja azedo e faça como elas fazem, que me habitue a aguentar e a esperar.» 
…à boa maneira portuguesa… mais uma vez!

domingo, 6 de janeiro de 2013

Livro

Este é a primeira obra que leio de José Luís Peixoto
Centra-se em Ilídio, um rapazinho que é abandonado pela mãe junto a um fontanário, e acompanha-o até à idade adulta, quando emigra para França. À procura da sua sorte, e atrás da Adelaide, a sua paixão correspondida. 
Relata as vivências de várias pessoas num ambiente rural, pequeno, provavelmente no Alentejo, e, também, a vida de quem emigrou para França. Num misto de campo e cidade, mas em que o padrão das personagens é semelhante: oriundas de um meio em que todos se conhecem, e em que todos sabem tudo de todos. E é neste ambiente que é possível criar situações que nos captam a atenção. 
Dividido em duas partes, os primeiros dois terços relatam as vivências acima. Depois há um corte abrupto, e surge-nos o último terço do livro, que me pareceu um momento de divagação do autor, entretecido com a continuação da parte anterior. Confuso para mim. 
O que me pareceu interessante nesta obra foi a utilização de palavras manifestamente populares, mas caídas em desuso ou para mim desconhecida. Enriquece o texto, deixa a curiosidade pelo significado, e fica um sorriso na cara. 
Por exemplo, “o touro estafonou-o todo”, ou “Vem. Estou pronta, meu amor, meu grande amor. Entra dentro de mim, estafona-me toda. Estou limpa e pronta.” Além desta, há muitas outras palavras estranhas que conferem graça ao longo de todo o romance. 
Ou a utilização de imagens como “quando a Adelaide saiu de trás do muro do chafariz, já uma vírgula iniciara o percurso em direcção ao seu útero.” 

Não tendo, na minha opinião, uma escrita luminosa, José Luís Peixoto consegue relatar bem uma história. E realço o termo “relato”, uma vez que parece que é disso que se trata. Os diálogos são praticamente inexistentes (se juntarmos todos os momentos de diálogo deste romance, não devem encher duas páginas), o que confirma que é possível escrever um livro ou romance sem diálogos. 
Quanto à escrita neste romance, achei notável, logo no início, o autor escrever várias páginas em que pôs o leitor a par de várias informações sem que a personagem Ilídio tivesse saído de junto do fontanário. É como se fosse projectado um vídeo, que pára num determinado momento, e surge uma voz off para nos contar outra coisa, e depois é retomada o movimento da imagem. Fantástico! 

Ler um novo autor é aprender uma nova linguagem. Peixoto, com este Livro, não me seduziu. Pode ser que no futuro faça uma nova tentativa.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Resoluções para 2013

"Em 2012 consegui ler ou reler Eça, Camilo, Jorge Amado, Virginia Woolf, William Faulkner, Ford Madox Ford, Dylan Thomas, Graham Greene, Julio Cortázar, Joseph Roth, Nelson Rodrigues, Pérez-Reverte e Erich Maria Remarque, entre alguns outros. Li muito menos do que gostaria, mas muito mais do que eu próprio antevi ao iniciar-se o ano num tempo em que tudo nos afugenta da leitura - do ruído circundante às contínuas invasões do nosso reduto íntimo através desses instrumentos omnipresentes no quotidiano do homem contemporâneo que são os computadores e os telemóveis, cada vez mais sofisticados, cada vez mais intromissivos.

A capacidade de concentração de cada de um de nós vai-se diluindo, por obra e graça destes aparelhos que nos põem em contacto com o mundo e com um sem-fim de amigos "virtuais" que nunca vimos mais gordos. A reflexão é inimiga desta constante fragmentação em que vivemos: é raro o filme que se vê até ao fim - mesmo numa sala de cinema - sem o contínuo piscar da luz do telefone portátil, adereço hoje obrigatório, espécie de prolongamento da mão de cada um.

E, no entanto, continuamos a ter direito ao silêncio. Continuamos a sentir necessidade de alguma solidão que nos permita o indispensável reencontro connosco próprios por detrás da espuma dos dias - tão ilusória, tão fugaz, tão enganadora. Continuamos a sentir necessidade daquelas horas de recolhimento a sós com um livro, com um filme, com aquele disco que há muito pretendíamos escutar sem a inevitável gritaria dos anúncios da TV em fundo ou o insistente apito das inúteis mensagens de telemóvel apregoando mais uma campanha de descontos daquele perfume que nunca iremos comprar ou daquela peça de roupa que jamais usaremos.

De tudo quanto pedimos que nos traga o Ano Novo, peçamos-lhe também alguns períodos de paz interior que nos permitam algo tão elementar como ir ao encontro de um livro adormecido numa estante. Talvez aquele que há anos queremos ler sem o conseguir por algum motivo fortuito. Ou revisitar aquele de que gostámos muito há uma dúzia de anos.

E não abdiquemos também do direito de pensar - arranjemos também algum tempo para reflectir. Para nos interrogarmos. Para não nos deixarmos levar pelos pregoeiros de serviço ou pelos vendedores de ilusões. "O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos - é não termos já mesmo perguntas", escreveu Vergílio Ferreira na sua Conta Corrente, cheio de razão.

Tentemos que o nosso 2013 não seja assim."