segunda-feira, 5 de julho de 2010

Teoria da Viagem - uma poética da geografia

Porquê uma teoria da viagem? O que tem uma viagem de tão transcendente que seja necessária uma teoria?
Cá está um livrinho diferente do habitual...

"Os caminhantes, os pastores, os corredores, os viajantes, os deambuladores, os errantes, os passeantes, os agrimensores, uma vez mais, ainda e sempre, em oposição aos enraizados, aos imóveis, aos petrificados, aos empedernidos."

Michel Onfray, filósofo francês, discorre sobre vários aspectos da viagem. O destino. A preparação. As expectativas. A descoberta. O regresso.
“Não escolhemos os lugares predilectos, somos solicitados por eles.”
“Há sempre uma geografia que corresponde a um temperamento. Resta encontrá-la.”
“A viagem começa numa biblioteca. Ou numa livraria.” Ou numa folha de jornal, acrescento eu.
“Chegar a um lugar sobre o qual nada sabemos condena à indigência existencial. Na viagem, apenas se descobre aquilo que trazemos connosco. O vazio do viajante produz a vacuidade da viagem; a sua riqueza produz a sua excelência.” Mas apenas saber não é suficiente. É necessária “uma polpa adicionada pela literatura e pela poesia.”
“… viajar pressupõe a confusão de todos os sentidos.”
E a pergunta impõe-se: “em que momento começa realmente a viagem?” A resposta é básica: quando damos a volta à chave e deixamos para trás a casa. E nesse instante começamos a viver entre-dois. Já não é o ponto de partida, mas ainda não é o ponto de chegada.
“É certo que podemos viajar sozinhos, mas com a certeza de estarmos incansavelmente connosco próprios, nos mais ínfimos pormenores, dia e noite, nas horas faustas e nefastas.” No entanto… “penso que viajar a dois ilustra uma fórmula romana, pois permite uma amizade construída, que cresce dia após dia, pouco a pouco.”
“Viajar a dois pressupõe a eleição”… “viajar a dois permite deixar à distância os indesejáveis, bem como escolher os indivíduos eleitos.”
Quando viajamos a dois… “com ele experimentamos a partilha, a troca, o silêncio, o cansaço, o projecto, a realização, o riso, a tensão, o relaxamento, a emoção, a cumplicidade. A sua presença manifesta-se antes da viagem, depois e durante.” Assim, “no pormenor da viagem, a amizade permite a descoberta de si e do outro.”

Para além disto, viajar exige memória, guardar o que vemos, enganar a memória.
“Como lidar com a embriaguez induzida pela viagem? Escrever? Tomar notas? Desenhar? Enviar cartas? E, se for o caso, breves ou longas? Optar pelos postais? Fotografar?”…
“Com efeito, a viagem oferece uma oportunidade para desenvolver os cinco sentidos: sentir e escutar mais profundamente, olhar e ver com mais intensidade, degustar e tocar com mais atenção – o corpo desassossegado, tenso e aberto a novas experiências, regista mais informações do que habitualmente.”
Mas nada de exageros para assegurar a nossa persistência da memória. “Só deveriam restar de uma viagem dois ou três sinais, cinco ou seis, nada mais. Com efeito, tantos quantos os pontos cardeais necessários à orientação.”

“Partir para um sítio é na maioria das vezes ir ao encontro dos lugares-comuns associados desde sempre ao destino eleito” Isto é empobrecedor e limita a descoberta. Não devemos nunca partir com o intuito de verificar em que medida o local visitado corresponde à ideia que dele fazemos. “Entre o desejo de encontrar os lugares-comuns que habitam o nosso espírito e o de visitar uma terra absolutamente virgem existe um meio-termo.”
“Viajar pressupõe não tanto um espírito missionário, nacionalista, eurocentrado e limitado, mas uma vontade etnológica, cosmopolita, descentrada e aberta. O turista compara, o viajante separa. O primeiro fica à porta de uma civilização, aflora uma cultura e contenta-se em vislumbrar a sua espuma, em apreender os epifenómenos, à distância, qual espectador empenhado, militante do seu próprio enraizamento; o segundo esforça-se por entrar num mundo desconhecido, desacautelado, qual espectador liberto, preocupado não em rir ou chorar, julgar ou condenar, absolver ou resolver anátemas, mas sim desejoso de apreender esse mundo interior, compreender. O comparador designa sempre um turista, o anatomista indica um viajante.”
Embora as cidades sejam “todas iguais”, há algo que não conseguem suprimir: a geografia. “A modernidade reduziu a história, mas poupou a geografia.”
E temos a percepção dessa realidade se atravessarmos o mundo em poucas horas. O avião, sobretudo este, contribuiu para uma nova percepção do tempo e do espaço.

“Nós próprios, eis a grande questão da viagem. Nós próprios e nada mais. Ou pouco mais. Pretextos, ocasiões, múltiplas justificações, sem dúvida, mas de facto fazemo-nos à estrada movidos unicamente pelo desejo de nos reencontramos, ou mesmo de nos encontrarmos.”
“Toda a viagem é iniciática – do mesmo modo que qualquer iniciação não deixa de ser uma viagem. Antes, durante e depois descobrem-se verdades essenciais que estruturam a identidade.”
“Longe de constituir uma terapia, a viagem define uma ontologia, uma arte de ser, uma poética do eu.”

Depois, é tempo de regressar. “Voltar para é também regressar de.”
E “voltar é decidir não permanecer.”
“Basta sentirmo-nos nómadas uma vez, para sabermos que voltaremos a partir, que a última viagem não será a derradeira.” Mas sempre para um lugar outro.”Rever impede de ver outras coisas, estacionar repetidamente, mesmo nos antípodas, afasta as possibilidades nómadas e os efeitos violentos da viagem sobre o corpo e a alma. Corre-se o risco de instalar a sedentariedade no próprio coração do princípio nómada.”
“Ponderar uma nova partida pressupõe assim uma inovação e não uma repetição.”

1 comentário:

Sofia disse...

Sinceramente não estava á espera de ler o que li na "descrição" do livro! Gostei muito! E gostei do "Toda a viagem é iniciática", eu atrevia-me até a dizer que todos os caminhos são iniciáticos. Este vai para a lista dos "a comprar"!