terça-feira, 25 de novembro de 2008

A Cura de Schopenhauer

Inicialmente, temos a trágica notícia para Julius: tem um melanoma, em fase terminal. Confrontado assim com o fim próximo, ele, psicoterapeuta, decide procurar um antigo paciente com o qual não teve sucesso. Philip, que agora também é psicoterapeuta, numa troca de favores, aceita participar no grupo que Julius está a acompanhar, como paciente.

Aqui a questão que surge é sobretudo a solidão, o isolamento social, o que se esconde naquilo que se parece mostrar aos outros. Philip, inteligentíssimo e distante, especialista e fã de Schopenhauer, passa o tempo a citar as suas frases anti-sociais. De notar que Philip, anteriormente, foi um viciado em sexo, que todas as noites tinha de ter uma nova conquista e aventura.

Paralelamente, o autor recua 150 anos e vai-nos relatando a vida do filósofo, também um anti-social, com atitudes de superioridade, de ser de outro mundo. Um homem angustiado com a vida (pensa-a como sendo um interregno na não-existência, com dois pontos em que se separa desta: o nascimento e a morte), e que tem uma vida pobre de relacionamentos, tentando afastar-se daqueles que chama desprezivelmente de “bípedes”.

No centro do romance, os vários pacientes da psicoterapia, de uma ou outra forma, por um ou outro motivo, deixaram de acreditar no outro, são pessimistas na forma como encaram as relações com os outros. Quem é o outro? Quais as suas reais intenções? Não é melhor fechar-me num castelo-fortaleza, inacessível seja a quem for? Quem sou eu por detrás desta carapaça? O que tenho medo de mostrar, até para mim mesmo? Mas neste enquadramento emerge uma realidade comum a todos: a falta de afecto, a incapacidade de relacionar-se.

Alguma resignação – ou melhor, sentimento de impotência – perpassa ao longo das páginas em que as sessões de psicoterapia acontecem.
O atravessamento da ponte, da barreira até ao mais íntimo de cada um, só acontece pela fragilização individual, pelo choque, pelo dar um passo em frente. Os diálogos são violentos, agressivos, no sentindo em que vão mexer no baú das vivências de cada um.

Philip, Pam, Tony, Bonnie, Rebecca, Gill, Stuart... e Julius. Problemas de isolamento, de relacionamento, de afecto, de alcoolismo, sexuais... que vão sendo esmiuçados em conjunto, tentando novas abordagens. As relações que se vão estabelecendo entre eles, as tensões, os gritos, vão permitir que cada um deles olhe para dentro de si e encontre a peça chave que desarmadilha o edifício em que estão prisioneiros. E quando começam a descer as barreiras, a ficar mais dóceis interiormente, dá-se o click.

Em certa medida, é um livro sombrio, pois agarra a condição humana em aspectos menos positivos da vida: “a morte, a solidão, a falta de sentido da vida e o sofrimento a ele inerente” (pág. 197). E a cada página lida, apesar da procura de uma escapatória a este ambiente, o clima parece que se adensa, numa espécie de nevoeiro que oculta o caminho.

“A Cura de Schopenhauer” é um interessante contraponto ao outro romance de Irvin D. Yalon, e que li há um ano e meio: “Quando Nietzsche Chorou” (ver as minhas breves impressões aqui e aqui).

Ambos são livros profundamente psicológicos e que fazem viagens profundas ao interior de cada um.
Como ponto comum aos dois livros, essa procura no mais profundo de cada um, extraindo as forças para continuar a andar, para olhar o futuro.
Por outro lado, enquanto “Quando Nietzsche Chorou” é mais positivo, foca muito a amizade, este “A Cura de Schopenhauer” centra-se nas disfunções relacionais, nas incapacidades para fugir ao isolamento e relacionar-se.

Inicialmente a leitura de “A Cura de Schopenhauer” deixou-me de pé atrás. Mas, a partir de certa altura, fui sugado pelo enredo e li convulsivamente para saber a “solução”. E muitas interrogações ficaram na minha cabeça, para mim. Foi como olhar ao espelho, sem filtros, sem maquilhagens. O abalo com epicentro interior é forte!

E fica um desafio para mim daqui a algum tempo: ler as duas obras sequencialmente. Se calhar será um abalo muito forte. Mas igualmente um desafio gigantesco numa perspectiva individual.

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