segunda-feira, 22 de junho de 2009

Os Maias

E eis que, ao fim de não sei quanto tempo, conclui a releitura de Os Maias. No meu já velhinho livro, comprado em Junho de 1992, de páginas amarelecidas. Acho até que foi o primeiro livro que comprei… custou 463,00 escudos...

Não vou pormenorizar muito a história deste livro grande da literatura portuguesa, no entanto, deixo algumas impressões.

Sob a apurada luneta de Eça de Queirós, traça-se uma deliciosa e cruel sátira social da Lisboa do final do séc. XIX, à sua burguesia, à sua vivência.

No início, ainda jovens, Carlos da Maia e João da Ega são o símbolo do futuro, do desejo de fazer, de mudar. Pululam de ideias fantásticas, de ideais nobres, aspiram a grandes feitos.

Como passar do tempo, tudo se vai esboroando. Carlos não consegue impor-se como médico no seu luxuoso consultório; Ega, um diletante, não vinga com os seus ideais elevados, e volta a Celorico. Depois regressará à capital.

No início, quando Carlos opta por ser médico, temos este diálogo:

“- Ora essa! – exclamou Afonso. – E porque não há-de ser médico a sério? Se escolhe uma profissão, é para exercer com sinceridade e com ambição, como os outros. Eu não o educo para vadio, muito menos para amador; educo-o para ser útil ao seu país…

- Todavia – arriscou o Dr. Juiz de Direito com um sorriso fino –, não lhe parece a Vossa Excelência que há outras coisas, importantes também, e mais próprias talvez, em que seu neto se poderia tornar útil?...

- Não vejo – replicou Afonso da Maia. – Num país em que a ocupação geral é estar doente, o maior serviço patriótico é incontestavelmente saber curar.”

Ao longo do romance, sucedem-se encontros e desencontros sociais. Todos feitos de fogos-fátuos, altamente moralistas, com ideias para mudar Portugal. Mas nada fazem.. Gastam o tempo em convívios, jantares, noitadas, soirées, charutadas, patuscadas, hotéis… Ninguém concretiza nada. É tudo platónico, longínquo, perfeito, idealista. E o país continua uma choldra.

Mas vão sendo escalpelizados os problemas que já então afectavam o país. Numa dessas soirées…

“Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta – “cobrar imposto” e “fazer o empréstimo”. E assim se haveria de continuar…”

(…)

“Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! À bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da “inscrição”, em não lha pagando, agarra o cacete; e procedendo por princípio, ou procedendo apenas por vingança – o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o “calote”, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal, livre da velha dívida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas…”

Todos têm grandes frases, verve, retórica, “veia”. Em linguagem actual, seria tão-só show off.

São todos cultos, com grandes referências literárias e artísticas. Querem repetir, celebrar essas grandezas, mas não passam da retórica, da frase sonante. AA certa altura, já quase no fim do romance, Carlos sonha converter um quarto do Ramalhete num fumoir, onde surgiria um cenáculo de diletantismo e de arte… “e passa-se a noite numa medonha orgia de ideal!...”

É a grandiloquência permanente.

Em cada página reconhecemos o Portugal actual: os mesmos discursos sonantes, os mesmos moralismos vazios, as mesmas "públicas virtudes/vícios privados", os grandes ideais... mas o país sendo "a choldra".


No fim, o último capítulo, é o retrato perfeito do país sem futuro, sem ideias, molengo, caricatural de tudo o que vem do estrangeiro.

A passagem de Carlos e Ega pelo Ramalhete, volvidos 10 anos sobre os trágicos acontecimentos que dão desenlace à história, são a imagem da desolação, da desilusão, do abandono, do fim. O próprio Ega o diz:

“- falhámos na vida, menino!”

Este é o pano de fundo social, político, cultural em que decorre a história da família Maia.

Carlos da Maia é filho de Pedro da Maia e de Maria Monforte. Pedro, por sua vez, é filho de Afonso da Maia.

Quando Maria Monforte foge com o italiano Tancredo, leva consigo a pequena Maria Eduarda, deixando o filho Carlos da Maia. Pedro da Maia, desolado, suicida-se.

O velho Afonso da Maia fica a cuidar do seu neto, ocultando-lhe todo o seu passado, a história da sua mãe. E, convencido da morte da sua neta, garante a Carlos que a irmã morreu.

Passados muitos anos, já homem feito e de paixões fáceis, o destino põe no caminho de Carlos uma bela senhora vinda do estrangeiro, mãe de uma menina. A paixão sobrevém… mas há um segredo que ambos desconhecem e os vai marcar tragicamente.

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